sexta-feira, 20 de setembro de 2019

O surgimento do Jeep - setembro histórico

Setembro. 1940. Dias 21 a 23. Estados Unidos da América. 368 km de distância entre Butler (Pennsylvania) e Camp Holabird, em Baltimore (Maryland). 

Datas, números e lugares aparentemente insignificantes. Mas registraram o aparecimento do veículo que iria mudar para sempre o conceito de 4x4 e que se tornaria um dos mais importantes da história, ao lado do Ford Modelo T e do VW Sedan (Fusca). O JEEP.
O Jeep Willys? Mas não foi em Toledo, Ohio? Não. Trata-se sim do BRC - Bantam Reconnaissance Car Pilot Model. O primeiro, e que como protótipo, deu origem depois, aos demais.
Este post, embora relate vários fatos da história do nascimento do Jeep, tem a intenção de, primeiro, lembrar e marcar a verdadeira data de surgimento daquele veículo, bem como homenagear os principais responsáveis pelo seu desenvolvimento. Aqueles que "botaram a mão na massa" para apresentar ao mundo (primeiro para o US Army claro...) o "Biltz Buggy" ou o "Old Number One".
Foram muitas pessoas envolvidas direta ou indiretamente, militares e civis, que por seus esforços e ideias fizeram surgir o brilhante jipinho. Foram muitas necessidades táticas militares que também acabaram moldando de certa forma, o conceito do veículo. Mas podemos afirmar de fato , que a ideia, ou melhor, a idealização do Jeep partiu do Exército dos Estados Unidos. Mais precisamente, do Corpo de Infantaria. Porém, vamos dedicar atenção especial aos "homens de Butler".
Durante os anos 30 do século passado, os militares americanos do Exército realizaram experiências e testes com diversos veículos, inclusive com o pequeno Austin (que  viria a ser produzido pela Bantam em 1938 e com características mais tarde aproveitadas no Jeep). Isso permitiu que eles adquirissem o conhecimento necessário para estabelecer uma lista precisa de exigências e especificações para um veículo que atendesse suas necessidades táticas. A Chefia de Infantaria estabeleceu limites de altura e peso que foram determinantes para moldar o primeiro Jeep: máximo de 90 cm de altura e peso entre 337,700 kg e 450 kg.
Quanto ao desempenho, deveria ser facilmente adaptável a operações anfíbias, capacidade de trafegar em qualquer tipo de terreno, subir morros como um caminhão de transporte padrão, ser capaz de transportar dois homens mais uma metralhadora fixa ou destacável de calibre .30 com 3.000 cartuchos de munição. 
Os recursos eram escassos e peças de sucata eram utilizadas. Entre 1934 e 1937 o Capitão Robert G. Howie e o Sargento Melvin C. Wiley projetaram e desenvolveram o transportador de metralhadora Howie-Wiley ou "Sacode-Barriga", pois não tinha molas de suspensão. O principal financiador desse veículo foi o General Walter C. Short, da Escola de Infantaria. Ele queria, assim como muitos, um veículo leve o suficiente para ser erguido por alguns soldados, de altura limitada para não ser vulnerável e capaz de transportar armas até a linha de tiro.

Quando o " Sacode-Barriga" foi posto a testes não obteve desempenho muito favorável, e o General Short chamou nada menos que o então presidente da Willys-Overland Motors, Joseph Frazer, e seu engenheiro-chefe Delmar Roos, para examinarem aquele veículo. Eles apresentaram um relatório no qual, resumidamente, afirmaram que aquele carro possuía potencial para ser transformado em um veículo de reconhecimento apesar das sérias limitações. 
Nessa mesma época, em 1938, três pequenos carros da American Bantam Car Company foram emprestados à Guarda Nacional da Pensilvânia, a fim de que demonstrassem suas possibilidades nos serviços de reconhecimento. Foram submetidos a provas durante operações naquele ano. 

Os militares gostaram  muito do veículo e em maio de 1940, o representante militar de vendas da Bantam, Charles Payne se reuniu com Diretores da Infantaria e da Cavalaria com o objetivo de propor a construção de um veículo de reconhecimento com base no carrinho da Bantam. Por serem favoráveis, e vendo a viabilidade da proposta, esta resultou em especificações gerais enviadas em 06 de junho de 1940, com a recomendação de veículos para testes. O projeto, prosseguindo, foi entregue à Comissão Técnica de Material Bélico, composta de membros das várias armas do exército, que mais tarde, visitou a fábrica da Bantam. Essas vistas resultaram em novas especificações, muitas baseadas no veículo "Sacode-Barrigas". Tanto que Howie ficou por lá durante 7 dias. Também resultaram na intenção de aquisição de 70 veículos. A empresa Spicer, de Ohio, também foi chamada, para auxiliar na instalação da tração dianteira, já que estava finalmente decidido que os modelos teriam tração nas 4 rodas.
Em 22 de junho, as novas especificações: eixo acionador dianteiro e uma unidade de transferência de 2 velocidades, montagem de metralhadora .30, chassi retangular, pára-brisas dobrável, 3 bancos dobráveis e iluminação black-out.. Recomendou-se peso não superior a 540 kg, base da roda de 1,875 m e altura de 0,90 m, além de velocidade máxima de pelo menos 80 km/h. Em julho, essas duas últimas medidas passaram a 2m e 1m, respectivamente. Como veículo de finalidades gerais, permaneceu por mais de dois anos, sob a responsabilidade do Corpo de Intendência do Exército.
Em 11 de julho de 1940 foram expedidos convites para apresentação de propostas para construção de 70 "carros ou caminhões leves de reconhecimento e comando". 135 fabricantes, inclusive a Bantam e a Willys-Overland, foram convidados.
Justamente, essas foram as únicas empresas que tiveram as propostas abertas e analisadas em 22 de julho. Porém foi a Bantam que aceitou a façanha de construir 70 unidades dentro dos limites de 175.000 dólares e menos de dois meses, impostos pelo Secretário de Guerra.
Assim, aquela pequena empresa, com então apenas 15 pessoas na folha de pagamento e situação financeira precária, entregou-se ao feito. O resultado, dadas as circunstâncias, foi um atestado da magnífica habilidade, imaginação e competência dos envolvidos no surgimento no veículo motorizado mais famoso do mundo.
O presidente da empresa, Francis H. Fenn saiu à cata de profissionais. O antigo engenheiro-chefe da ex American Austin Car Co., comprada pela Bantam, foi convidado a trabalhar, aceitando em 17 de julho. Tratava-se do talentoso Karl Probst. Probst, junto com Bob Lewis, da Spicer, elaboraram eixos adaptando modelos Champion da Studebaker. O limite de peso para o novo veiculo era o principal problema, mas nenhum fabricante poderia reduzí-lo até o limite. Com peso de 1 ton e força para alcançar 80 km/h, o motor Bantam não era suficiente e o popular motor Continental de 46 hp foi adotado. Já Harold Crist, gerente de fábrica, ajudou Probst no aproveitamento de peças dos carros Bantam. Ainda em 17 de julho, às 13 h, Probst mergulhou por três dias na criação dos desenhos do que seria o futuro jipe, finalizando na noite da sexta-feira, 19. No domingo, já estavam calculados os custos, as relações de peças e feitas as plantas de fabricação. Apresentaram tudo ao Comandante Payne, o representante militar de vendas, e ele se apavorou com o peso calculado do veículo: 840 kg.
Em 22 de julho, o Departamento de Compras e Contratos do Forte de Holabird pediu novas propostas e, na ocasião, somente Bantam e Willys das 135 apresentaram. Nem mesmo a Ford.
A proposta da Willys foi inferior, tanto que a empresa confessou que talvez não pudesse cumprir o prazo fixado de 49 dias (05 de agosto) para apresentar o modelo piloto para testes. A proposta da Bantam foi de 171.185,75 dólares pelos 70 veículos. Oito deveriam ter direção nas quatro rodas.
Proposta aceita, enfim a corrida contra o tempo iniciou. Eu imagino isso hoje, sendo filmado e transformado naqueles programas de televisão sobre restauração de carros, como uma série.
Não havia tempo para plantas muito detalhadas e Harold Crist, Chester Hempfling e Ralph Turner transformavam ideias em maquinaria. 
Mesmo com tamanho esforço de todos, relata-se que em 1º de setembro, há 22 dias do final do prazo, parecia que o carro não ficaria pronto a tempo. Porém, na última semana do prazo um veículo com cara de jipe estava surgindo. Os testes na região da fábrica, iniciaram em 21 de setembro, quando Harold Crist fez uma rápida corrida e terreno acidentado onde o jipe subiu uma pequena colina de 45 graus de inclinação.
Restando somente dois dias para o final do prazo, o teste foi demasiado rápido e limitado ao básico. Problemas surgidos deveriam ser corrigidos de imediato. Porém, em 22 de setembro, novos testes confirmaram as impressões do dia anterior, ou seja, o veículo seria um sucesso.
Então, no histórico dia 23 de setembro de 1940, pela manhã, partiu o Bantam Pilot Model, carregando Probst e Crist, percorrendo os 368 km que separam a Bantam do Campo Holabird. Mantendo uma velocidade média de apenas 40 km/h para evitar danos ao motor, pois o estavam amaciando durante a viagem, chegaram ao Depósito de Holabird às 16:30 h, quando faltava meia hora para expirar o prazo.
Ao chegar ao campo, o Major Lawes fez um rápido teste e ficou favoravelmente impressionado, passando então o veículo para os motoristas de provas. Na ocasião, onde castigou o carro, ao final enfaticamente disse a Probst: " Há vinte anos dirijo e avalio cada viatura de serviço adquirida pelo Exército. Por isso sou capaz de julgar em quinze minutos qualquer tipo de veículo. E este aqui tem tudo para ser absolutamente excepcional. Ele vai fazer história."
 Então, como profetizado por Lawes, o Jeep ingressou na pista e saiu de lá, para entrar na história.

Acima: Capitão Eugene Moseley, chefe dos motoristas de provas, verifica a situação em um dos primeiros testes em Holabird.

Os "homens de Butler":

                                                   Clique na imagem para ampliar.
1- O comandante da Marinha aposentado, temperamental e incansável, Harry Pyne, pressionou o Exército indo até o Departamento de Guerra para levar adiante a ideia do BRC Pilot.
2- Harold Crist ingressou na Bantam em 1937, o especialista em carros de performance, especificou muito dos detalhes do BRC antes da chegada e Karl Probst. Foi essa engenharia de "chão de fábrica"
que facilitou o cumprimento do prazo de 49 dias pela empresa.
3- Conhecido pela capacidade de criar desenhos detalhados rapidamente, Karl Probst era o homem certo para a preparação para a licitação. Ele chegou a Butler em 17 de julho e em 3 dias finalizou os desenhos.
4- O presidente da American Bantam Car Company, Frank Fenn, sabia que um contrato com os militares podia salvar a empresa. Organizou reuniões importantes com o Exército na fábrica, junto com Payne.
5- O principal construtor de Crist, Ralph Turner, usou sua propensão pela precisão, com a ajuda de Chet Hempfling, para construir a estrutura do BRC. Estava na equipe que entregou o Bantam em Holabird.
6- Chet Hempfling trabalhou ao lado de Turner durante todo o projeto. Ele chegou a manter guardadas até a sua morte, as tesouras que cortavam os painéis de metal  do BRC. Também fabricou os chicotes do carro e seu registro detalhado dos veículos civis e militares da Bantam é um registro valioso hoje.

Portanto, não existe um pai do Jeep, mas vários, que num esforço conjunto construíram um sucesso. Notadamente, no caso do BRC Pilot Model, e portanto do primeiro Jeep, foram figuras-chave Harold Crist  e Harry Pyne. Pyne fazendo a promoção, o lobby e a venda. Crist, a parte principal de especificar, conceber, projetar e fabricar o carro.
Também sem a famosa sessão de 18 horas de desenho de Probst, a Bantam não poderia oferecer uma proposta completa e atraente. Mas eram em essência, uma formalização das especificações de Crist.

Fotos: acervo do autor.
Fonte: Jipe o indestrutível, de D. Denfeld e M. Fry.
           Austin Bantam Society
           http://historywithheart.com
          
 
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